Novidades

Ex-namorado suspeito de matar jovem de 15 anos já tinha passagem pela polícia

Andreza Victória Paixão, 15, foi enterrada no Cemitério Bosque da Paz na tarde desta terça-feira. O ex-namorado, suspeito de cometer o crime, segue foragido.

O namoro de Victória e Adriel durou cerca de onze meses. Mas, para Adriel Montenegro dos Santos, 21, o relacionamento com a adolescente de 15 anos deveria ter continuado por mais tempo. Sem aceitar o fim do namoro e separados há três meses, familiares, amigos e a polícia apontam o ex-namorado, que está foragido, como o principal suspeito de ter assassinado Andreza Victória Santana da Paixão, com um tiro na nuca na noite desta segunda-feira (17), em Itapuã.

O crime aconteceu na varanda da casa de número 15 da Rua do Bispo, em Nova Brasília de Itapuã, onde Adriel mora. Até esta terça-feira (18), pelo menos 20 mulheres tinham sido mortas em Salvador vítimas de violência doméstica em 2017. O caso de Victória foi a 20ª notificação oficial.
Segundo algumas colegas de escola da garota – estudantes do Colégio Rotary, no Abaeté – Victória havia ido à aula nesta segunda e Adriel foi de carro buscá-la na saída. “Ele vivia chamando ela para conversar e ela dizia que não queria mais. Eu nunca vou entender o que levou ela a encontrar ele”, diz uma amiga.

Porte ilegal de arma
Logo após o crime, Adriel desapareceu do bairro. Ele já tem passagem por delegacia. De acordo com a Polícia Civil, em 2014 ele foi preso por porte ilegal de arma de fogo e liberado após pagamento de fiança. O processo, aberto no dia 11 de novembro de 2014 após uma prisão em flagrante, ainda não foi julgado, segundo consta no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). No acasião, outras duas pessoas também foram presas por porte ilegal de arma, mas também não foram julgadas.

O pai de Adriel, que é policial militar, foi quem socorreu Victória depois que ela foi baleada na varanda da casa. Segundo a Polícia Civil, em depoimento, o pai de Adriel disse que não sabe onde o filho está e qual a arma que ele usou.

No sepultamento, uma tia da adolescente, que preferiu não se identificar, informou que Victória foi socorrida pelo pai do suspeito e levada para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro de Itapuã. No local, as pessoas reconheceram a garota e ligaram para informar aos familiares. Até o final da tarde de hoje, o pai do ex-namorado não havia entrado em contato com a família para esclarecer a situação. “Não é porque ele é filho de policial que ele vai ficar solto. Ele matou a minha sobrinha, mas podia ser a sobrinha de qualquer um”, disse a tia aos prantos.

A varanda da casa onde a garota foi encontrada ferida foi aparentemente lavada, segundo informou a polícia civil. A 1ª Delegacia de Homicídios (Atlântico), que investiga o caso, pedirá à Justiça a prisão temporária de Adriel. A investigação também aponta que Victória e Adriel namoraram por dois anos, o que foi negado pela melhor amiga da garota.  

Perda 
No pátio do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR), na manhã de terça-feira (18), andando de um lado para o outro, o comerciante Márcio da Paixão, 39, pai de Victória, não escondia a tristeza. Ao CORREIO, o pai da estudante disse que não sabia do relacionamento de Victória com Adriel e não conhecia o suspeito. “Eu nunca ouvi falar nesse rapaz. Vi a foto dele agora, depois dessa tragédia”, afirmou. Márcio soube da morte da filha por vizinhos, quando voltava de uma caminhada.

Para o pai da menina, que criava a primogênita desde que se separou da mãe dela, há 13 anos, Adriel é o responsável pelo crime. “Ele é um rapaz de má índole. Sequestrou, se apossou, se achou dono e matou minha filha, uma moça linda”, disse, acrescentando que não desconfiava do relacionamento da garota. 
“Conversamos na semana passada, perguntei para ela se existia alguém porque, claro, ela era uma moça linda. Eu também já fui jovem, sei como é, mas ela me garantiu que não”, pontuou. Márcio lembrou da relação de companheirismo com a filha e afirmou desejo de justiça. “Eu espero que ela tenha sido a última. Que não seja mais um caso impune nessa Salvador violenta, que ela não tenha morrido em vão. E ele, que pague pelo que fez”, salientou. 

Saudades 
Esta terça-feira pela manhã, em frente à casa onde Victória morava com o pai, a madrasta e o irmão mais novo, uma criança de dois anos, no Alto do Coqueirinho, também em Itapuã, cerca de 40 pessoas se reuniram e lamentaram a morte da estudante. Amparada por outros jovens, a melhor amiga da vítima, uma adolescente de 16 anos, não segurou o choro. “Minha linda, meu amorzinho, o amor da minha vida”, disse à reportagem.

Ao CORREIO, a menina relatou que Victória e Adriel mantiveram um relacionamento sem a permissão dos pais. “Ela terminou há muitos meses já. Ele era muito ciumento, possessivo e não aceitava ela ter muitos amigos, ela ser tão bonita”, disse.

Ainda conforme os amigos da vítima, o namoro foi tranquilo nos primeiros meses até que o suspeito passou a demonstrar um comportamento diferente, o que acabou assustando Andreza. “Eu não entendo o porquê dela ter ido à casa dele, ele com certeza atraiu ela chamando para conversar. Apesar de tudo, ela gostava muito dele”, completou a amiga. Os jovens disseram, ainda, que Adriel não era próximo aos amigos dela.

Despedida
Amigos fizeram camisetas homenageando a jovem (Foto: Hilza Cordeiro/CORREIO)
Victória era a única filha mulher tanto do pai quanto da mãe, que precisou ser hospitalizada ao receber a notícia do falecimento. Estudante da 7ª série do Colégio Rotary, no Abaeté, conforme familiares, a estudante tinha muitos amigos e costumava estar rodeada deles. “Ela tinha amigos de todos os jeitos. Rico, pobre, alto, baixo... Era muito querida”, disse o pai.

Segundo familiares, ela trabalhava ajudando o pai e seu maior sonho era ser maquiadora profissional. Por sua habilidade com pincéis e produtos, costumava ser solicitada por parentes e amigas para fazer maquiagens de festa.

A adolescente foi enterrada sob muita comoção no final da tarde desta terça (17), no Cemitério Bosque da Paz. Os amigos fizeram homenagens usando camisetas com a foto da jovem e soltando bolas brancas. Cerca de 250 pessoas, entre amigos, colegas, vizinhos e familiares, estavam presentes no local.

A mãe da adolescente não conseguia falar e precisou ser amparada diversas vezes. O pai, com quem ela morava desde a separação da mãe, ficou contido e sentado ao lado do caixão. Os colegas de escola se abraçavam e conversavam, procurando respostas. Para a amiga da família, Edenildes Paixão, o caso não pode ficar impune. “Isso que ele fez não é amor. Ele tirou a alegria de uma família. É preciso que as escolas tomem o feminicídio como tema, que discutam em sala de aula”, sugeriu.

Uma mulher é agredida a cada 56 minutos em Salvador
Na semana passada, o CORREIO publicou uma reportagem com dados de ocorrências policiais sobre violência contra a mulher em Salvador. Somente este ano, 2.538 mulheres denunciaram casos de violência doméstica na capital. Aqui, uma mulher é agredida a cada 56 minutos. No ano passado, 6.375 mulheres foram às delegacias para relatar ameaça e outras 4.005 registraram ocorrência de lesão corporal. Também no ano passado, 89 ocorrências de estupro e 47 de homicídio doloso foram registradas.

De acordo com Luiza Nagib Eluf, ex-procuradora do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e advogada criminalista referência em violência contra a mulher, o feminicídio é o ato de matar uma mulher por se achar superior à ela, em razão das condições de ser mulher no Brasil, país marcado pela desigualdade de gênero. “No Brasil, as mulheres apanham, são estupradas e assassinadas por serem mulheres. Ou seja, o sujeito acha que, porque ele é homem, tem o direito de vida ou morte sobre a mulher com a qual ele se relaciona ou com quem teve um relacionamento anterior”, explica.

O crime de feminicídio foi definido legalmente em 2015, com a lei 13.104, que o inclui como uma circunstância qualificadora do homicídio. A pena para este crime é reclusão de 12 a 30 anos. Na prática, segundo a advogada, é o machismo enraizado em nossa cultura patriarcal que leva ao feminicídio. 

Para ela, o caso da adolescente é mais um exemplo disso e o fato de a jovem ter aceitado um encontro com o ex-namorado, com o qual não desejava mais namorar, não justifica seu assassinato. “Ela foi ver o ex porque ele estava sofrendo com o fim do relacionamento. A intenção dela era aliviar a dor dele, não voltar para ele”, explica. 

Ainda segundo a especialista, a jovem “morreu porque não queria reatar. É uma espécie de loucura que acomete o homem ciumento”, afirma. E, segundo a especialista, esse crime, em geral, costuma acontecer de forma premeditada, pegando a vítima numa emboscada. 

Ainda resta à sociedade ainda entender que tanto homens e mulheres têm direitos iguais – inclusive sexuais – e que a vontade da mulher precisa ser respeitada. “A mulher namora quem ela quer, casa com quem ela quer e se separa também no momento em que o relacionamento não lhe interessa mais. E nem por isso ela pode ficar sujeita ao assassinato”, insiste.

De acordo com dados de 2013 do Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada, de 2013, no Brasil, um feminicídio é registrado a cada 90 minutos. “Precisamos mudar a nossa cultura para que não aconteça mais crimes absurdos como espancamento, morte, estupro”, diz Luiza.


*Correio da Bahia

Nenhum comentário