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Um terço dos pacientes que tiveram covid-19 desenvolve trombose


A enfermeira Eliana Andrade, 39, teve sintomas leves de covid-19 no início de 2021, após tomar duas doses da vacina. As consequências da doença, porém, foram mais do que graves. Ela teve trombose em três artérias. Por ser jovem e não ter problemas de saúde, os médicos tentaram, primeiro, retirar os trombos [coágulos] em duas cirurgias. Mas, não teve jeito, Eliana teve de amputar parte da perna direita. A trombose após o novo coronavírus ocorre em um terço das pessoas que têm a infecção pelo Sars-CoV-2, de acordo com a Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV).

Segundo angiologistas, esses casos aumentaram até três vezes na pandemia. O angiologista Gilmar Santos, do Itaigara Memorial, afirma que passou a atender o triplo de pacientes com trombose durante a emergência sanitária. “Os estudos científicos mostram que o número de pessoas com covid que podem desenvolver trombose pode variar entre 9% e 30%. Em relação aos que internam na UTI, esses casos são mais frequentes, 30%. Já os internamentos gerais, em UTIs e enfermaria, em torno de 25% dos casos têm trombose”, explica Santos.

A definição de trombose, segundo o especialista, é a coagulação do sangue dentro de alguma veia ou artéria. “Há uma série de reações químicas que vão se desencadeando, até chegar à formação do coágulo. A intervenção do vírus no organismo provoca uma cascata de coagulação que faz com que essas células se agrupem em um momento que não era para fazê-lo, causando um desequilíbrio”, acrescenta Gilmar Santos.

Eliana, que é de Jiquiriçá, no Centro-Sul da Bahia, pilotava moto. Agora, usa uma prótese para se locomover. Como não tinha como pagá-la, conseguiu ajuda em uma vaquinha online, na qual arrecadou os R$ 50 mil necessários para voltar a andar. “Meu risco de vida foi altíssimo e ainda estou me adaptando a essa nova realidade. Nunca tive inimigos na vida, mas, mesmo que tivesse, não desejaria o que passei e estou passando para ninguém”, desabafa.

“Foi a pior doença possível e agradeço por ainda estar com vida. Mas é muito complicado, porque sempre tive uma vida muito ativa”, conta. Cerca de quatro a cinco meses depois da covid-19, as dores na perna começaram. “Achei que era por conta de uma torção no pé uns meses antes, pelo esforço físico ou por causa da academia. Tinha dias que nem doía tanto, nem precisava de analgésico. Nunca imaginei que poderia ter uma consequência tão devastadora como essa”.

Após fazer exames, o médico alertou que ela precisava ser internada. Foi primeiro ao hospital regional de Santo Antônio de Jesus e depois foi transferida para o Roberto Santos, em Salvador. “Quando eles disseram que eu precisava de UTI que a ficha caiu”, relembra. Ela recorda até a data da amputação: 11 de abril. Nove meses depois, se orgulha de já conseguir fazer a maior parte das tarefas diárias sozinha. “Dentro das minhas limitações, me considero vitoriosa, porque consigo fazer tudo. Só não quero adoecer a mente”, completa.

Aumento nos atendimentos
A angiologista e cirurgiã vascular Maria Clara San Juan, sócia da clínica San Juan, diz que houve aumento de 30% no número de atendimentos de pacientes com suspeita de trombose, após serem infectados pela coid-19. “O vírus é muito trombogênico, causando uma infecção excessiva e afetando nossa cascata de coagulação”, esclarece. Geralmente, a faixa etária mais acometida é entre 40 e 60 anos, 30 a 90 dias após a terem o novo coronavírus.

Na Clínica popular Três Elementos, houve uma alta de 55% das suspeitas e confirmações de pacientes com trombose, que tiveram covid-9 em algum momento da pandemia. “Muita gente vinha com sintomas de trombose e não tinha o diagnóstico de covid. Quando a gente pedia a sorologia, dava positivo. E isso são pessoas que procuraram assistência médica, porque existem várias outras que tiveram e não sabemos”, alerta o angiologista e cirurgião vascular Ronald Fidelis, que atende na clínica.

Os casos mais comuns são de trombose venosa, geralmente, nas pernas, mas também pode aparecer em qualquer lugar do corpo. Quanto maior o tamanho do coágulo e mais perto do abdômen, mais grave será a complicação da doença. Já as situações mais raras são no cérebro. Com a covid-19, eles são frequentes também no pulmão, ocasionando a embolia pulmonar.

Segundo ele, a estrutura do novo coronavírus afeta de forma mais agressiva os vasos. “Ele tem uma coroa de espinhos, que é a proteína Spike. Ela ‘arranha’ o revestimento interno dos vasos, gerando uma inflação das veias e, invariavelmente, acaba gerando trombose. Nos pulmões, ele afeta as pequenas veias, fazendo a saturação do sangue cair, porque o sangue não está circulando no pulmão”, detalha Fidelis.

Fatores de risco
O diagnóstico da trombose pode ser feito por ultrassom com doppler e o tratamento, se a doença é descoberta na fase inicial, não precisa de internação, e sim de medicamentos orais anticoagulantes.

Para quem já tem predisposição para a trombose, é preciso dobrar o alerta, segundo a cirurgiã vascular Túlia Brasil Simões, presidente da Sociedade Baiana de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV).

“Existem alguns fatores de risco que causam inflamação do vaso sanguíneo ou diminuição do ritmo do sangue, como a obesidade, câncer, doenças inflamatórias, o tabagismo, porque o cigarro agride a parede do vaso, e quem passa muito tempo acamado ou imobilizado, seja após uma longa cirurgia, internamento ou até mesmo por ter engessado a perna”, informa Túlia.


Anticoagulante reduz 67% as chances de trombose
Um estudo multicêntrico nacional avaliou 320 pacientes em estado grave pela covid-19 e que tinham alto risco de desenvolvimento da trombose na testagem de um anticoagulante por até 35 dias após a alta hospitalar. Participaram médicos do Instituto Couto Maia e a conclusão foi uma redução significativa nos eventos com o medicamento.

“Tivemos o internamento de uma família com covid e, o filho do casal de idosos, que tinha 50 e poucos anos, com 48 horas de alta teve uma parada cardíaca por conta de embolia pulmonar, morrendo. Depois disso, avaliamos o uso de um anticoagulante em pacientes que ficaram internados com covid, e verificamos que 3% dos que usaram o medicamento tiveram consequências graves, contra 9,4% dos que usaram placebo, indicando uma redução de trombose de 67%”, explica a infectologista Karine Ramos, coordenadora médica do pronto atendimento do Instituto Couto Maia.

O anticoagulante já é usado para outras doenças e aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O órgão ainda não incluiu na bula do medicamento o tratamento após a alta hospitalar, por isso, ele é usado off label, que é quando uma droga farmacêutica não segue a indicação originalmente homologada para ela. Isso acontece porque, quando um medicamento é aprovado pela agência reguladora - no caso do Brasil, pela Anvisa - para uma determinada indicação, isso não significa que essa aplicação é a única possível ou que o medicamento só pode ser usado para ela.

Karine pontua que é preciso analisar caso a caso. “O risco de trombose deve ser avaliado individualmente e cada um terá um tipo de complicação diferente”.




*Correio da Bahia

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