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Eleições na Grécia são desafio para União Europeia

Berço da democracia, a Grécia realiza neste domingo (25) eleições legislativas para definir um novo governo, em meio a um momento político conturbado.

No poder desde 2012, o primeiro-ministro Antonis Samaras, da Nova Democracia, perdeu o favoritismo para o esquerdista Alexis Tsipras, líder do Syriza.

O governo antecipou as eleições em dezembro último, após seu candidato não obter maioria necessária para se eleger primeiro-ministro em lugar de Samaras.

São 9,8 milhões de eleitores aptos para eleger um parlamento com 300 cadeiras. Pelas pesquisas, o Syriza oscila entre 31% e 36%, à frente da coalizão Nova Democracia, que tem entre 26% e 31% das intenções de voto.

Grécia: pesquisas mostram que Syriza mantém liderança antes das eleições

Samaras inisiste no discurso do medo, afirmando que uma eventual vitória eleitoral do Syriza levaria  à quebra do país. Tsipras defende uma ruptura com as medidas de austeridade, adotadas pelo atual governo em acordo feito em 2010 com a chamada "Troika", formada pelo Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e União Europeia (UE), que tiveram como contrapartida um socorro de 245 milhões de euros. Ele insiste, como uma das bases de sua plataforma, em negociar o perdão de parte da dívida pública do país, apesar de não se dizer interessado em rupturas com a UE.

O desafio da União Europeia é lidar com uma eventual vitória de Tsipras e evitar uma crise política, que, mesmo com as negativas do candidato, poderia culminar até com a saída da Grécia do bloco, no caso de o novo governo se contrapor com mais intensidade ao acordo anterior. Para o professor Carlos Teixeira, do curso de Relações Internacionais da PUC-SP, um eventual calote da dívida grega poderá gerar impactos econômicos em curto prazo, mas prejuízos políticos ainda maiores em um período mais à frente.

— No médio e no longo prazo, podemos ter impactos políticos mais abrangentes a depender da reação da UE ao provável calote grego. Se as reações forem contidas ou se o calote for aceito e oficializado, isso pode fortalecer partidos com perspectiva semelhante em outros países europeus, como o Podemos na Espanha.

Clima de ceticismo

Mesmo estando em situação mais sólida do que em 2012, quando Tsipras disputou a eleição com um discurso ainda mais radical, a UE, sobretudo a zona do euro, acompanha com atenção as eleições, já que, apesar de ter feito o "dever de casa", obtendo um superávit primário, a Grécia ainda permanece em recessão. A taxa de desemprego é de 26% da população economicamente ativa e a dívida pública ainda está muito elevada (175% do PIB). 

A professora Elena Lazarou, de Relações Internacionais da FGV, está na Grécia, atuando como pesquisadora visitante na fundação Eliamep, e afirma que o clima no país é de ceticismo. 

— O sentimento que passa é que apenas uma minoria, aquela engajada nos núcleos dos partidos, acredita em uma mudança para melhor. Do taxista ao professor, o que prevalece é o sentimento de cansaço em relação aos sacrifícios da população. A maioria está indo votar sem convicção ou com uma intenção de voto que não representa o seu ideal, apenas simboliza a opção menos pior. 

A precariedade econômica ainda presente, apesar de todos os sacrifícios impostos à população, com demissões e perdas de benefícios sociais, pode prejudicar o acordo que o governo grego assinou em troca da ajuda do bloco europeu. Por outro lado, em caso de vitória da Nova Democracia, ou de uma postura mais moderada de Tsipras, uma nova injeção de dinheiro poderá ser necessária, apesar da garantia de Samaras de que a Grécia está se recuperando.

Cidade-estado

Ao contrário de 2012, quando a Grécia fervilhava na depressão econômica, após ter quase abandonado a zona do euro em 2011, a UE está mais preparada para lidar com a turbulência no país. E, segundo a professora, está aberta até a ser mais flexível em torno do acordo, baixando juros ou até prorrogar o resgate de parcelas da dívida, para dar liquidez ao governo grego.

— Apesar de haver uma corrente que se mantém irredutível em relação ao acordo, em que estão a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, e o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, uma outra parte acha necessária mais flexibilidade e ajuda para a Grécia.

Já o economista Francisco Faria Júnior, da LCA Consultores, especialista em macroeconomia, observa que, dentro do bloco, os países perdem a autonomia para tomar decisões próprias, como desvalorização da moeda para incentivar a exportação. Para ele, uma eventual moratória da Grécia seria muito melhor assimilada pela UE do que em 2012.

— Naquele momento era mais problemático porque a dívida era com bancos particulares. Hoje, boa parte da dívida está com bancos dos governos da Europa e não há como um governo ir à falência. Um caminho defendido pelos que querem renegociar os acordos, com uma saída do bloco, é ter autonomia para desvalorizar a moeda e estimular as exportações. Outro caminho, como o adotado atualmente por acordo, é fazer uma recessão muito grande para que os preços internos baixem e com isso as exportações aumentem. A Grécia é um estado dentro de um país e está em conflito para virar um país independente.

Isso remete à própria origem da democracia grega, a partir de 590 a.c.. Por um tempo, as cidades-estado prosperavam no país, numa manifestação do conceito de liberdade e independência que ditavam a cultura grega. Passados mais de dois mil anos, esta mesma ânsia libertadora permanece entre os gregos, que, como afirmou Faria Júnior, fazem, na prática, parte de um estado dentro de um país, a UE. A história costuma se repetir e é possível, neste momento, que a Grécia se debata em busca de uma volta às suas origens. Para ser novamente o que um dia foram Atenas, Esparta e Tebas, entre outras: uma cidade-estado.






R7

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