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Com aprovação de subsídio ao transporte público, prefeito mostra força política e adia crise para depois da eleição


Eles protagonizaram nos últimos dias. Nas manchetes de jornais, páginas de portais de notícias e em minutos de reportagens de rádio e TV, eram os ônibus do sistema de transporte público de Salvador os personagens principais. E não era para menos. Em apenas uma semana, houve ameaça de greve, aprovação de subsídio milionário, de anistia de dívida das empresas e ainda aumento da tarifa. Na verdade, há um bom tempo, o transporte municipal já vêm sendo o principal alvo das reclamações da população e o maior problema nas mãos da gestão municipal. Mas agora, quase que ironicamente, foram eles os responsáveis por mostrar a força com que o prefeito Bruno Reis (União) chegará nas eleições municipais de Salvador.

Na semana passada, em uma assembleia da categoria, os rodoviários haviam decidido que entrariam em greve cobrando o cumprimento de seus direitos trabalhistas. Mas, no dia seguinte, a Metropole antecipou que não haveria greve - eles entrariam em um acordo com os empresários - e que a prefeitura daria um subsídio de R$ 205 milhões de reais às empresas de ônibus. Dito e feito. Para dividir a responsabilidade, o Bruno Reis enviou a proposta para a Câmara de Vereadores da capital, que, por unanimidade, aprovou o projeto, mostrando que a Casa está afinada com o prefeito e que ele chega mais do que favorito para o pleito do próximo ano.

Essa sucessão de fatos obviamente não se trata de uma coincidência. Na verdade, é resultado de uma estratégia do prefeito. Independente da coloração partidária por trás do comando do sindicato dos rodoviários, sempre houve um histórico de conluio com a gestão municipal para atender aos interesses de ambos. Desta vez, a ameaça de greve criou um ambiente favorável para o anúncio do subsídio e do aumento da tarifa - que passou a R$ 5,20, a mais elevada do Nordeste, diga-se de passagem. O reajuste no final do ano também não tem nada de desproposital. Ele faz com que esse desgaste seja evitado em 2024, ano de eleições municipais. Apesar disso, o prefeito Bruno Reis nega qualquer intenção política nas medidas adotadas.

Dos R$ 205 milhões, o projeto prevê R$ 190 milhões para as concessionárias de ônibus coletivo convencional e R$ 15 milhões para as permissionárias do sistema de transporte complementar (os chamados amarelinhos). O volume total é expressivo: quase 2% do orçamento municipal previsto para todo o ano de 2023. É valor suficiente, por exemplo, para construir cerca 20 novas escolas municipais para mil alunos cada uma ou ainda para inaugurar novas 170 Unidades de Saúde da Família (USF) na cidade.

E além do subsídio, o projeto prevê também a anistia de um outro valor milionário. É o perdão de uma dívida de quase R$ 100 milhões que as empresas de ônibus têm junto à gestão municipal. Junto com o subsídio, são mais de R$ 300 milhões saindo dos cofres municipais.


Enfrentando os tubarões

Não precisa ter tantos anos de experiência para recordar do antigo Setps (Sindicato das Empresas de Transporte Público de Salvador), hoje Integra. O grupo era forte, estava na boca de qualquer usuário do sistema de ônibus, afinal eles tinham um grande poder de geração de emprego e seus serviços estavam ali no dia a dia dos soteropolitanos. A população enxergava esses empresários como grandes “tubarões” milionários. E ela não estava errada, mas não era só isso. Eles tinham grande influência econômica e política. Ajudavam nas campanhas para prefeito e para vereadores. E talvez tenha sido justamente por isso que o caldo começou a entornar, quando ACM Neto (União) assumiu a prefeitura da capital e, ressentido pelo pouco apoio recebido, empenhou-se em diminuir esse sistema de força das empresas.

Começou pela chamada outorga onerosa. Antes da gestão de ACM Neto, eram 18 empresas atuando no sistema de transporte público de Salvador com um contrato precário e permissões conferidas, na época, pela Transalvador. Depois disso, no segundo ano de governo dele, as coisas mudaram. Foi aberta uma licitação para que empresas ou consórcios disputassem a prestação do serviço por 25 anos na cidade. As linhas de ônibus foram divididas em três áreas de operação e cada uma delas seria explorada por um vencedor da concorrência. O critério para o julgamento dos candidatos era apenas um: a chamada outorga onerosa, um valor que as empresas pagariam ao município para ter o direito de prestar o serviço. Quem ofereceu mais, ganhou. A essa altura, já sabemos que as vencedoras foram a OT Transportes (Ótima), a Plataforma e a Salvador Norte (CSN, que mais tarde veio a fechar as portas). O total que deveria ter sido pago por elas até 2019 era de R$ 180 milhões. Com o elevado valor, a expectativa era que isso selecionasse apenas empresas de fora da Bahia. O que não aconteceu. Só as três vencedoras se inscreveram para a competição.

Superintendente da Integra, Orlando Santos aponta que na época não havia como discutir os valores impostos na outorga onerosa. A regra era muito clara: existia um valor mínimo definido para cada área de operação e era a oferta da empresa que definiria o vencedor da licitação. Como determinado pelo edital, 20% do valor foi pago no ato da assinatura do contrato. O restante deveria ser quitado em parcelas até 2019, mas, segundo Orlando, o total pago só chegou a 45%. É daí que é daí que vem a dívida de quase R$ 100 milhões das empresas junto à prefeitura, que serão perdoados.


O colapso pagou passagem

“Logo depois da concorrência ser encerrada, já no ano de 2016, os passageiros já haviam começado a reduzir e de lá para cá, veio caindo bastante. A pandemia só fez agravar, mas a queda de passageiros pagantes no sistema vinha desde 2016”, lembra Orlando. Os números confirmam o que ela fala: dois anos depois da concessão, a média mensal de usuários pagantes caiu de 26,3 milhões para 23,5 milhões. Agora, em outubro, esse número não chegou nem a 16 milhões.

O plano de negócios do contrato firmado em 2014 estabelecia um total de 28 milhões. Por isso que já em 2016, as empresas já pediam subsídio e reclamavam de desequilíbrio financeiro. Elas culpavam a criação de programas como “Domingo é meia”, o bilhete único e ônibus circulando de madrugada. Medidas que, claro, diminuíam a arrecadação e aumentavam os custos do sistema.

A prefeitura atribuiu ao metrô pelo desequilíbrio financeiro do sistema. A lógica deles é que, com a integração, o maior percentual da tarifa acaba indo para o sistema metroviário, deixando um déficit para os ônibus. Para tentar solucionar mesmo que emergencialmente a crise, Bruno Reis chegou a ir a Brasília pedir, tanto a Jair Bolsonaro quanto a Lula, auxílio para transporte público. Mas ele sempre sem sucesso. Afinal, o governo federal nunca subsidiou esse setor, nunca sequer reduziu o imposto cobrado sobre diesel para os veículos do transporte público. Já o governo estadual tentou atuar. Quando governador do estado, Rui Costa (PT) afirmou que havia se colocado à disposição para assumir o BRT e parte das linhas de ônibus da capital. Seriam os veículos que alimentavam o metrô. Segundo ele, a prefeitura até cogitou a possibilidade, mas depois acabou recusando.

Agora, Bruno driblou a situação e encontrou no subsídio a solução para tentar contornar a crise e para responder aqueles que ainda tinham dúvida sobre a força política que ele chegaria nas eleições de 2024. Mesmo fazendo barulho antes da votação, a oposição se curvou ao poder municipal e apoiou o projeto que pretende pôr fim à longa crise do transporte público de Salvador.






*Metro 1/Foto: Metropress/Filipe Luiz


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