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Deputados baianos gastam com combustível o suficiente para dar 5 voltas na Terra

Imagine uma empresa em que apenas 39 funcionários gerassem para o próprio negócio despesas de R$ 2,76 milhões em gasolina, diesel e etanol no curto período de um ano e cinco meses. Pois bem! Foi exatamente esse o montante gasto com combustíveis pelos deputados federais da Bahia na atual legislatura, segundo levantamento feito pelo Jornal Metropole na página de transparência da Câmara desde o início de 2023. A diferença entre os custos da iniciativa privada e do Poder Público é que, no segundo caso, a conta sai do bolso do contribuinte, assim como as demais mordomias à disposição dos parlamentares com assento no Congresso Nacional.

Gastos com combustíveis são cobertos através da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap). Por lei, todos os deputados têm direito a uma verba mensal destinada pelo Legislativo para cobrir despesas relativas ao exercício do mandato. Postos de gasolina ocupam a quinta colocação na lista das maiores fontes de custos dos deputados da Bahia bancados por meio da Ceap. Só perdem para divulgação, aluguel de veículos, passagens aéreas e manutenção de escritório político no estado de origem. Conforme publicado na edição do último dia 23, a cota dos integrantes da bancada baiana consumiu aproximadamente R$ 25 milhões dos cofres públicos de janeiro do ano passado a 28 de maio.

O levantamento revelou ainda quem são os cinco deputados da Bahia com o maior volume de gastos com combustíveis. Em primeiro lugar, aparece Charles Fernandes (PSD), seguido de muito perto por José Rocha (União Brasil), com despesas de R$ 132,8 mil e R$ 132,5 mil, respectivamente. Logo abaixo, estão Paulo Magalhães (PSD), com R$ 131,1 mil, e Zé Neto (PT), com R$ 130,2 mil. Por fim, vem o também petista Jorge Solla (R$ 120 mil). Em média, cada um deles teve de R$ 7 mil a quase R$ 8 mil por mês para abastecer os veículos que usam. Para dimensionar o tamanho da gastança, vale recorrer ao matemático e astrônomo grego Eratóstenes, tido como pai da Geografia.

Suficiente para dar voltas ao mundo

Em 240 a.c, Eratóstenes mediu a distância precisa de uma volta na Terra em linha reta. Chegou à conclusão de que era preciso percorrer 40 mil quilômetros. Com gastos na faixa de R$ 130 mil, os quatro parlamentares da Bahia que mais consumiram recursos com combustíveis conseguiriam completar cinco vezes o mesmo trajeto. Considerando o preço médio da gasolina nos postos do Brasil até o fechamento desta edição, calculado em R$ 5,85 pela Petrobras, e um veículo com consumo médio de dez quilômetros por litro, o valor daria para rodar nada menos que 220 mil quilômetros durante o atual mandato. A soma é também cerca de 13 vezes maior que o montante pago pelo deputado da Bahia mais econômico em matéria de combustível, Adolfo Viana (PSDB), cujas despesas foram de cerca de R$ 10 mil.

A justificativa apresentada por Paulo Magalhães, terceiro colocado no ranking, diz muito sobre como os deputados agem em relação ao uso de recursos públicos. “O grande problema é que não freto avião, eu tenho um avião. O combustível de avião custa até R$ 15,70 o litro. Ao invés de fretar avião, abasteço e utilizo um óleo lubrificante, que já é outro preço. É melhor então fretar avião? Eu abasteço o meu, e todo combustível que boto tem nota, tudo bonitinho”, disparou. Visivelmente irritado com a indagação da reportagem, Magalhães admitiu que a cota parlamentar banca os deslocamentos que faz em sua aeronave particular, um Beechcraft Baron 58, prefixo PT-VQQ, modelo 1978, o mesmo informado por ele na declarações de bens anexada ao registro de sua candidatura junto ao Tribunal Superior Eleitoral em 2022.


Mordomia particular nas alturas

Abastecer aviões privados não é exclusividade do parlamentar do PSD. Dono de um Embraer EMB-810D fabricado em 1993 e vice-campeão em matéria de despesas com combustível na nova legislatura, José Rocha também enche o tanque do bimotor que possui com repasses do erário. Na prestação de contas do deputado da União Brasil à Câmara Federal, constam mais de dez notas fiscais emitidas por empresas especializadas na venda de gasolina ou querosene de aviação. O expediente é utilizado também por pelo menos mais nove parlamentares da bancada: Roberta Roma (PL). Neto Carletto (PP), Ricardo Maia (MDB), Dal Barreto (União Brasil), Mário Negromonte Júnior (PP), Elmar Nascimento (União Brasil), João Carlos Bacelar (PL), Joseildo Ramos (PT) e Daniel Almeida (PCdoB). Da lista, somente Carletto e Bacelar possuem aeronaves particulares registradas em seus nomes.

Quatro revendedoras de combustível para aviões aparecem na relação de maiores fornecedores dos deputados baianos: Mactra, Air BP Petrobahia, Aeroprest e Oeste Aviação. As duas primeiras são sediadas no Aeroporto Internacional de Salvador. A terceira tem filiais nos terminais aeroportuários de Brasília e Anápolis, no interior de Goiás. A última está instalada no Aeroporto Municipal de Guanambi, no Sudoeste baiano. A cidade, coincidentemente, é o reduto eleitoral do primeiro colocado no ranking, Charles Fernandes. No caso do parlamentar, a imensa maioria das despesas não teve origem no abastecimentos de aeronaves, mas na aquisição de gasolina e diesel para veículos automotores comuns.


Meus fregueses favoritos

Entretanto, o que chama a atenção nas despesas de Fernandes é a concentração de notas fiscais de alto valor emitidas por uma mesma empresa, o Posto Guarujá, localizado em Guanambi. De janeiro até agora, o deputado do PSD repassou quase R$ 80 mil para a revenda, em 14 pagamentos mensais que variaram de R$ 3,1 mil a R$ 6,8 mil. “Ao todo minha base é composta por 22 municípios, dos quais visito frequentemente. E o único voo de carreira que atende minha cidade com destino à Brasília, da Azul, não é compatível com a minha agenda e tampouco com as sessões da Câmara, fazendo-se necessário o deslocamento de veículo terrestre”, alegou. O deputado só não fez menção ao fato de que, no período, consumiu quase R$ 70 mil da cota com passagens aéreas.

Em matéria de despesas concentradas em uma só empresa, nenhum parlamentar do “Top 5” da bancada baiana supera o petista Zé Neto. Do total gasto por ele com combustível, aproximadamente R$ 128 mil foram pagos ao Posto Alameda, situado na Avenida Getúlio Vargas, uma das mais movimentadas de Feira de Santana, sua base eleitoral e cidade da qual é pré- -candidato a prefeito. O que mais chama a atenção é o valor expressivo de cada uma das 14 notas fiscais emitidas pela revenda, quatro delas com cifra idêntica, de R$ 9.392, e outras duas com montante similar. O restante varia de R$ 4.922 a R$ 8.845.

“Combustível você não gasta mais ou menos. Tem uma cota, que você alcança ou não. E eu gasto muito. Moro em Feira e vou para Salvador ou para o aeroporto sempre. Além disso, meu mandato de trabalho é com eventos, faço muitos deles, e com ações sociais, cultura e esportes. Do início do mandato para cá, fizemos mais de 70 cursos do Senai em várias cidades da Bahia. Para isso, tem que ter o deslocamento (de carro). O problema da política não é esse. É quem não faz, quem utiliza sem fazer. Tenho escritório em Salvador, escritório em Feira e gabinete em Brasília. Está dentro do consumo natural, normal, dentro do padrão (de gastos com combustível). Para quem trabalha, essa cota supre as necessidades do dia, não tem nada de outro mundo não”, afirmou.

Já Jorge Solla informou, por meio de sua assessoria, “que os gastos com combustível da cota parlamentar são previstos pelo regimento da Câmara Federal e estão exclusivamente relacionados às atividades do mandato”. “Quando não está em Brasília, o deputado viaja pelas cidades do interior da Bahia para cumprir seu papel como parlamentar, mantendo interlocução com outros municípios, fiscalizando e acompanhando ações do Executivo nesses locais. O mandato possui escritórios em algumas regiões da Bahia, e o valor total inclui os custos com os deslocamentos destes assessores. Diferente de outros parlamentares, o deputado não goza do privilégio de ter helicóptero ou aeronave particular, realizando todas as suas viagens dentro do estado de carro”. Procurado, José Rocha não respondeu aos pedidos da redação.




*Metro 1/Foto: Duda Matos e Jairo Costa Jr.

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