Plataforma brasileira de pagamentos vira alvo dos Estados Unidos
Três anos após manifestar preocupação com o avanço do Pix, o Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR) anunciou nesta quinta-feira (16) a abertura de uma investigação formal contra práticas comerciais brasileiras, incluindo o estímulo estatal ao sistema de pagamentos instantâneos criado pelo Banco Central.
O Pix, lançado em novembro de 2020, tornou-se um fenômeno nacional e internacional, com R$ 26,4 trilhões movimentados somente em 2024, segundo dados oficiais. O sucesso do modelo gratuito, público e de funcionamento em tempo real tem incomodado players tradicionais do setor financeiro, incluindo operadoras de cartão de crédito e serviços estrangeiros como o WhatsApp Pay, da gigante Meta.
De acordo com o principal dirigente do USTR, Jamieson Greer, a iniciativa partiu de um pedido do ex-presidente Donald Trump, que voltou a ocupar protagonismo nas decisões comerciais do país. A motivação, segundo Greer, inclui supostos "ataques do Brasil às empresas de mídia social americanas" e barreiras que, segundo os EUA, prejudicam empresas, trabalhadores e inovações tecnológicas norte-americanas.
Pix na mira
O Pix já havia sido citado em um relatório do USTR em 2022 como possível barreira comercial estrangeira, pelo fato de ser operado e regulado pelo próprio Banco Central — o que, segundo os EUA, poderia representar uma desvantagem competitiva para empresas privadas. O documento alertava que os EUA “monitoravam de perto” os efeitos do Pix no mercado de pagamentos eletrônicos de varejo.
Embora desde então o sistema não tenha sido citado nominalmente em novos relatórios, o setor financeiro brasileiro seguiu no radar de Washington. Agora, com a investigação aberta, o Pix volta ao centro das tensões comerciais entre os dois países.
Concorrência e regulação
Especialistas ouvidos pela Agência Brasil afirmam que a movimentação dos EUA está relacionada à ameaça que o Pix representa ao domínio de empresas americanas no mercado financeiro digital. “O Pix oferece agilidade, inclusão e custo zero ao usuário, o que incomoda modelos baseados em taxas, como os das operadoras de cartões”, explica a economista Cristina Helena Mello, da PUC-SP.
Ela também destacou que o Pix foi fundamental para a bancarização de milhões de brasileiros e que sua regulação pelo Banco Central está alinhada com as leis de concorrência e estabilidade financeira. “É função do BC oferecer produtos melhores e mais seguros à população. Isso é concorrência legítima, não prática desleal”, completou.
WhatsApp Pay e a suspensão de 2020
Um dos pontos de atrito mais simbólicos envolve o WhatsApp Pay, lançado no Brasil em junho de 2020. A Meta, empresa de Mark Zuckerberg, anunciou que o país seria o primeiro a receber a função de envio de dinheiro via aplicativo. No entanto, o Banco Central e o Cade suspenderam o serviço dias após o lançamento, sob a alegação de que seria necessário avaliar os riscos concorrenciais e a adequação ao Sistema de Pagamentos Brasileiro.
Para Cristina Helena, a decisão foi correta: “O WhatsApp operava fora do sistema financeiro regulado. Isso violava normas de rastreamento e controle monetário do Brasil”, argumentou.
Contexto geopolítico e silêncio oficial
A ação do USTR ocorre em meio a uma reconfiguração das relações comerciais internacionais, com os Estados Unidos buscando reforçar a influência de suas empresas frente ao avanço de soluções locais em países emergentes. A pressão sobre o Pix, nesse contexto, é vista por analistas como uma tentativa de conter o crescimento de um modelo que já começa a ser replicado em outros países.
A Agência Brasil solicitou posicionamento ao Banco Central e ao Ministério das Relações Exteriores, mas não obteve resposta até o momento.
Por Ataíde Barbosa/Foto: Bruno Peres/Agência Brasil
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