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Bahia registra alta alarmante de feminicídios em 2025 e expõe escalada da crueldade contra mulheres


A violência letal contra mulheres segue avançando de forma preocupante na Bahia. Entre janeiro e outubro deste ano, o estado contabilizou 370 casos de feminicídio consumados ou tentados, número que supera em 33,5% o total registrado em todo o ano passado, quando houve 277 ocorrências. Os dados são do Monitor de Feminicídios no Brasil (MBF), iniciativa do Laboratório de Estudos de Feminicídios da Universidade Estadual de Londrina (LESFEM/UEL).

O levantamento revela padrões que se repetem: a maior parte dos crimes ocorre aos fins de semana, com maior concentração aos domingos (19,77%) e aos sábados (19,21%). Mais da metade das agressões acontece durante o dia, em plena luz do sol, desmontando a ideia de que esse tipo de violência se restringe ao período noturno.

As residências das vítimas seguem sendo os locais mais perigosos. Em 42,36% dos casos, o ataque aconteceu dentro de casa, espaço que deveria representar proteção. Em seguida aparecem locais públicos, como ruas, praças e bares, responsáveis por 28,47% das ocorrências.

No último domingo (14), enquanto milhares de pessoas se mobilizavam em Salvador em uma passeata contra o feminicídio, uma mulher de 50 anos quase se tornou mais um número dessa estatística. Ela foi esfaqueada pelo companheiro no bairro de São Marcos e socorrida em estado grave para o Hospital Geral do Estado (HGE). A vítima sobreviveu e integra o grupo das 240 mulheres baianas que escaparam de tentativas de feminicídio em 2025. Outras 130, no entanto, não tiveram a mesma chance.

Casos recentes evidenciam a brutalidade crescente das agressões. Em agosto, a cantora Laina Santana Guedes, de 37 anos, foi assassinada a golpes de marreta em Lauro de Freitas. No início de dezembro, Rhianna Alves, mulher trans de 18 anos, foi estrangulada até a morte em Luís Eduardo Magalhães. Os episódios reforçam o caráter violento e simbólico dos crimes, marcados pela intenção de aniquilação.

O cenário baiano reflete uma realidade nacional ainda mais ampla. Em todo o Brasil, foram registrados 5.582 feminicídios e tentativas nos dez primeiros meses de 2025. Casos de extrema violência chocaram o país, como o assassinato de uma mulher desmembrada no Paraná, o corpo carbonizado de uma jovem indígena no Tocantins e a tentativa de feminicídio em São Paulo que resultou na amputação das pernas de uma mulher atropelada pelo ex-companheiro.

Para a professora Vanessa Cavalcanti, da Universidade Federal da Bahia e integrante do Observatório de Feminicídios, o uso de métodos como facas, envenenamento ou substâncias químicas aponta para crimes planejados e com forte carga simbólica. Segundo ela, há uma negação da humanidade da vítima, em que o corpo feminino passa a ser tratado como objeto de dominação e registro da violência.

A especialista destaca ainda que essas práticas dialogam com discursos misóginos fortalecidos em ambientes digitais, que ultrapassam as telas e se materializam em agressões reais. 

“São expressões de controle e ódio que não reconhecem o outro como sujeito de direitos”, avalia.

Dados nacionais do LESFEM mostram que, entre janeiro e junho, armas brancas foram o meio mais utilizado nos feminicídios, seguidas por armas de fogo e espancamentos. Também aparecem métodos como estrangulamento, fogo, atropelamento e envenenamento, evidenciando a diversidade e a crueldade das práticas.

A advogada criminalista Daniela Portugal, doutora em Direito Penal pela Ufba, relaciona o aumento da violência extrema ao avanço da autonomia feminina. Segundo ela, muitas mulheres, especialmente negras, sustentam seus lares e exercem maior poder de decisão, o que provoca reações violentas de parceiros que se sentem ameaçados.

Daniela ressalta a diferença entre femicídio e feminicídio: enquanto o primeiro é a morte de uma mulher sem motivação de gênero, o segundo ocorre justamente porque a vítima é mulher. 

“O feminicídio é uma tentativa brutal de retomar o controle, de reafirmar uma dominação que já não se sustenta socialmente”, explica.

Diante do crescimento dos números e da brutalidade dos crimes, especialistas reforçam a urgência de políticas públicas eficazes, redes de proteção fortalecidas e enfrentamento direto às estruturas culturais que sustentam a violência de gênero no Brasil.




Por Ataíde Barbosa/Foto: Shutterstock

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