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Energéticos: o combustível que pode parar o coração


Eles prometem energia instantânea, foco, performance e ainda o status de quem está "ligado no 220V". Com embalagens vibrantes e campanhas de marketing que conectam a bebida à ideia de juventude, saúde e ousadia, os energéticos conquistaram espaço nas prateleiras — e no cotidiano — dos brasileiros, principalmente entre os mais jovens. Mas, por trás dos goles que empolgam, há riscos silenciosos que começam a chamar cada vez mais atenção da comunidade médica e da sociedade.

Mistura de cafeína, taurina, açúcar e outros compostos, os energéticos têm efeito estimulante potente, que age diretamente sobre o sistema nervoso central. O impacto, porém, vai além da sensação de alerta e disposição. Segundo especialistas, o consumo em excesso pode desencadear arritmias, hipertensão, palpitações e até quadros mais graves, como infarto e fibrilação atrial — distúrbio cardíaco que leva a batimentos desordenados e pode causar desmaios e parada cardíaca.

O caso do ator Rafael Zulu, em janeiro deste ano, é um desses exemplos que acenderam o sinal vermelho. Após consumir diversas latas da bebida em uma festa de família, ele precisou ser socorrido às pressas e internado com o risco de um ataque cardíaco. A história, compartilhada nas redes sociais, foi um alerta para milhares de seguidores.

Mas não é preciso ser famoso para se tornar vítima dos efeitos colaterais. A advogada Ana Beatriz Santana, de 28 anos, usava o energético como um empurrãozinho pré-academia. Com o tempo, a dependência se instalou: o que começou com uma latinha esporádica virou um hábito diário. O resultado foi um mal-estar grave durante o treino — taquicardia, suor frio, visão turva e quase desmaio. “Foi como uma droga. Fui aumentando sem perceber”, relata.

Apesar de as embalagens deixarem claro que o produto não deve ser consumido por crianças, idosos, gestantes ou junto com álcool, as advertências muitas vezes são ignoradas. Em festas, bares e baladas, drinks com energético figuram com naturalidade nos cardápios. E agora, um novo capítulo: marcas estão investindo em versões “infantis” da bebida — sem cafeína nem taurina, mas com apelo visual e sabor semelhante. Com personagens famosos estampados nas latas, o discurso é de “energia saudável” para estimular a cognição das crianças. A tentativa de associar o conceito ao universo infantil preocupa especialistas e educadores, que alertam para os riscos da naturalização precoce do consumo.

O apelo publicitário tem dado resultado. Segundo pesquisa da Kantar divulgada em maio, 38% dos lares brasileiros já compram energéticos regularmente. Entre os jovens até 29 anos, 22% se tornaram novos consumidores nos últimos anos, mesmo diante do aumento de preços e da queda no consumo de bebidas alcoólicas. O energético virou símbolo de juventude, performance e resistência — ainda que à custa da própria saúde.

No Brasil, a Anvisa regula os ingredientes e orienta o consumo com diversas restrições. Mas, na prática, o cumprimento é falho e o controle, limitado. Em países como a Letônia e a Lituânia, a venda é proibida para menores. A Escócia e a Inglaterra discutem medidas semelhantes desde 2019. Por aqui, o debate ainda engatinha.

O que deveria ser um alerta de rótulo, precisa virar um debate público. Energéticos não são refrigerantes turbinados. São produtos com potencial farmacológico, capazes de alterar o funcionamento do corpo e, em casos extremos, custar vidas. É preciso que escolas, famílias, profissionais da saúde e o próprio Estado assumam o protagonismo na discussão. Porque, por enquanto, os energéticos continuam prometendo energia — e levando corações ao limite.




Por Ataíde Barbosa/Foto: Reprodução/Canva


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